EPÍTETOS - rosas exalam almas roubadas

Na porta do meu consultório a placa dava as boas vindas
Dr. Gustini Victor Strasser - Psicólogo
Em 1997 eu lecionava psicologia na PUC
De lá pra cá as coisas mudaram
Saí do mundo acadêmico
O destino sentenciou-me
Resolvi prestar serviço pro Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado
Tratar pacientes condenados
Pesquisar aspectos da execução penal na psicologia do sentenciado
A importância dos exames
A forma como são feitos
A repercussão dos laudos criminais
A possibilidade de reinserção ou não do condenado na sociedade
Eu dava o diagnóstico de comportamento dos pacientes
Se a pessoa voltava a reincidir ou não, a decisão era do juiz.
A execução penal
Nesse contexto social construí minha carreira
Enxergava o Direito e a Psicologia de maneira complementar
Adalgamir Silvério Silva, um travesti, foi meu primeiro paciente do Centro de Estudos da PGE.
A transação penal: um ano de acompanhamento psiquiátrico, duas vezes por semana.
Motivo: uma briga num bar do Leblon.
Apresentou-se
Cytherea Horse
Disse ser chamado assim por causa do seu membro cavalar
Visualmente era uma mulher lindíssima
Na primeira sessão contou ser do GDEDDC
Entre outras barbaridades
Não foi isso que me consagrou
Eu atendia consultas particulares
Cobrava entre quinhentos e dois mil reais
Por sessão
Fred Arranho, o ator, foi meu paciente.
O típico garoto que deu certo
O Namoradinho do Brasil
Esse cara mudou minha vida
Deu-me repercussão
Por causa dele ganhei mídia
Outros pacientes ilustres vieram
Patrícia Paula Searom
Filha do célebre Rycalo Searom
O bilionário da soja
Uma patricinha com QI acima da média
Prostiputa ninfocacional
A Psicoputa
Uma deusa
Minha Belle de Jour
Perdi a cabeça por ela
Por pouco não caçaram meu registro
Conhecimento é tudo
Sabe o Alexandre Deusthruid, detentor do oligopólio das redes de comunicação?
Sim
O maior pastor do Brasil
Foi meu paciente
Na nossa primeira consulta entrou rindo
Proferiu-se o puto traficante da palavra de Deus
O Putrafica
Adorava contar estórias do seu mentor
Seu ídolo mor
O mercador de influências da década de 80
O dono de Ipanema
O homem de putas e pó
O Rei da Noite
Eu vendia caro meu tempo
Os ponteiros não paravam de rodar
Depois veio Fernando Geraldini
Gostava de festa
Mulheres
Drogas
Viagens
Era recorrente contar-me sobre o seu apelido
O Estressadinho do Puteiro
Seu discurso era a exposição do eu
Uma palestra em forma de tese
O uso da linearidade no fluxo inconsciente
Patologia extraordinária
A exposição libertária
Não obstante é o instante que estabelece
Outro bambambã nas minhas sessões foi Javier Bornovo Calie
Um diplomata de El Salvador
Discorria sobre embaixadores e violações constituídas
Merecia respeito por sua competência reflexiva
Seu idealismo e inteireza ao defender o não belo eram fascinantes
Justificava dizendo ser o escolhido
O Baranguerreiro Ideológico
Adorava falar das suas imunidades e seus privilégios
A inter-relação da civilização
A roda do infortúnio não cessava de girar
Não posso me esquecer da Jéssica Silva
Artesã no disfarce dos predicados de personalidade
Estuprada por três homens
Filha de pais evangélicos
Ponderava pouco nas sessões de terapia
Tinha fascinação por fogo
A Incineradora
Chamada assim por trabalhar cremando corpos
Traços típicos de uma personalidade sediciosa
Sem constrangimento ou vergonha eu tinha um projeto
Estava enumerando pacientes com patologias análogas
Pretendia juntá-los numa sessão grupal
Frente a frente discorrendo sobre morte, sexo e medo.
As ideias iriam aparecer sem conexões evidentes
Investigariam as sinuosidades das possibilidades não esgotadas
Familiarizando-se com os processos dos seus crimes
Suas emoções mais negativas
Uma mesa redonda debatendo fragmentos
Opiniões diversas sobre a consciência moral
Talvez eles pudessem iluminar-se
Transgressões antissociais vistas no outro tendem a ser claras
Pensei nisso como um filme de Ingmar Bergman
Um prato cheio para minhas análises
Minha dúvida era botar ou não como mediadora a gostosa e psicóloga Vera Lucia Atner
Sorte não a encontrar
À época ela estava na Europa
A Tesudinha do Toriba
Epíteto inesquecível e justificado
Mas como eu disse no inicio
O destino sentenciou-me
Fred Arranho cortou-me a garganta durante sua sessão de terapia
Ironias da vida
Nesse caso, da morte.
Estou no purgatório esperando minha sentença
Céu ou inferno?
Deus e o Diabo fizeram uma aposta
Quem vencer escolhe onde vou passar o infinito do nada
A decisão será baseada nos acontecimentos da terapia coletiva dos meus sete pacientes
Como eu havia dito
Sempre soube tudo sobre as minhas cobaias
A falta de consideração com os sentimentos dos outros
O desprezo pelas obrigações sociais
Gostava disso
Não via neles o ensaio Freudiano sobre o superego
Com certeza eles não cometiam crimes para serem punidos
Nenhum castigo mudaria a falta de empatia deles
Egocentristas exageradamente patológicos
Ausentes de sentimentos de remorso e dolo
Um universo rico de baixezas humanas
Conceitos legitimados pelos meus sociopatas de laboratório
Desculpem meus devaneios
Sei onde terminam
Vou contar sobre a aposta
Deus jogou suas fichas no arrependimento
O Diabo apostou no vermelho
Arrependimento versus Sangue
O Namoradinho do Brasil
A Cytherea Horse
O Baranguerreiro Ideológico
A Incineradora
O Estressadinho do Puteiro
A Psicoputa
O Putrafica
Dentes por dentes
O encontro patológico dos superegos
Na frente de cada um, duas opções:
Rosa ou pistola
Se a orgia psicótica acabar com pelo menos um arrependido oferecendo sua rosa para outro, Deus vence.
Se ninguém se arrepender, o Diabo vence.
Vai começar a festa
A relação espaço-tempo não é cronológica na sala de espera das almas
O futuro na Terra é o eterno espectro dos mortos em recuperação
Diferentes tempos
O profano divino
Já é
A terapia grupal está acontecendo
Sentados à mesa
Sem sair de suas cadeiras
Sete patologias diretas optam por pistolas e flertes
Não titubeiam
Simultaneamente pegam as pistolas, não todos.
O Namoradinho coloca a pistola na testa da Cytherea
A Cytherea enfia a pistola na orelha do Baranguerreiro
O Baranguerreiro bota a pistola na cara da Incineradora
A Incineradora encosta a pistola no pescoço do Estressadinho
O Estressadinho tara as tetas da Psicoputa
A Psicoputa passa a mão na perna do Putrafica
O Putrafica aponta a pistola pro Namoradinho
Meus hamsters não conversam
Cinco tiros certeiros disparados
Cinco corpos escorrendo vermelhos pelo chão
Restam dois
Ficam de pé
Olhos nos olhos
O Putrafica mete a pistola na boca da Psicoputa
Ela se submete
Chupa o cano da pistola do seu possível executor
Alisa o carrasco cacete ajoelhada sobre sangue
Em subservientes segundos libera-o pelo zíper
O Putrafica de pau duro gira a pistola nos lábios da Psicoputa punheteira
Lascivamente ela masturba o membro num misto de sangria e porra
O sêmen da vida voa liberto
A Psicoputa e o Putrafica sobreviveram
Não trocam uma palavra e vão embora
Agora é com Lúcifer
Sorte a minha
Eu sou ateu
Não ficaria bem ao lado de Deus
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam as almas que roubam pra si

Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
Based on a work at www.pablotreuffar.com
A VERDADE É QUE EU MINTO

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10 comentários:

Piter disse...

Um conto sem escrúpulos, mas envolvente...rs rsrs

Cel disse...

Excelente!!!

Fernanda disse...

tarantino literariu

Felipe Kawai disse...

sou fã

Karlinha disse...

a-do-rei

Thome disse...

Fantástico!

Luís Paz disse...

Hey cara, achei demais '-'
Não só a métrica/estilo da escrita, como os versos. Parece um texto grande, que pode vir a cansar, mas de fato isso não acontece.
É uma corrente que vai nos puxando e aumentando o desejo de continuar ;)


te aguardo lá. abraço
diademegalomania.blogspot.com

Elyde Sampaio disse...

nossa, q máximo.

euzinha disse...

tarantino?

Anônimo disse...

ainda não desistiu?